Não passarão!

Porque ninguém merece

Porque ninguém merece

Tenho uma teoria: o mundo virtual não se difere em nada do mundo real. Não somos usuários, somos habitantes da internet. O que significa que todas as nossas ações na rede de computadores são uma extensão do modo como agimos nas nossas casas, cidades e afins. Vejo, na verdade, a web como uma hiperrealidade, um ‘mundo real’ aumentado e muito, muuuito mais cruel.  Nessa sexta-feira, 28, (perdoem-me o tique de jornalista de colocar datas) pude perceber com clareza que essa minha ideia é mais do que correta.

Um grupo de mulheres, liderado por Nana Queiroz, resolveu reagir de maneira simbólica aos números revelados por uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada no dia anterior, a ideia era mostrar um cartaz no lugar nos seios com as frases “Eu não mereço ser estuprada” ou “Ninguém merece”. Em tempo, a tal pesquisa do Ipea mostrou que 65% dos brasileiros concordam com a frase “Mulheres que usem roupas que mostrem o corpo merecem ser atacadas”. Além disso, também que 58,5% dos entrevistados concordaram com a frase “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.

Os números são mesmo assombrosos, tão medonhos quanto o que ocorreu na web, durante o protesto simbólico. Na página do Facebook onde várias mulheres (e homens, para não ser injusta) colocaram as suas imagens de protesto, uma série de pessoas iniciou o ataque “anti-feminista”, ou melhor, apenas misógino mesmo. Chamo de pessoas porque, mesmo sendo perfis “falsos” ou “fake”, eles são controlados por alguém do outro lado da tela. E esse alguém tem uma opinião, no caso dos garotos, nojenta e completamente deturpada do que é feminismo. Protegidas pelo anonimato, algumas pessoas acham que podem fazer o que lhes der na telha, não muito diferente dos ladrões mascarados e assassinos disfarçados que, na calada da noite, atuam com a certeza de que não serão pegos. Daí porque disse no começo que o mundo virtual é mais cruel, o anonimato traz isso.

Os posts e comentários “ofensivos” – uns eram só idiotas mesmo, vindo de garotos muito jovens na sua maioria, continham os maiores absurdos que alguém pode ler. Alguns diziam que a mulher “precisa de rola”, ou “de um macho”; ou que todas as meninas que postaram fotos até ali mereciam ser estupradas. Começou, inclusive, uma campanha paralela, com fotos de homens seminus [como se isso fosse SUPER condenado na nossa sociedade, mas divago] usando cartazes de dizeres ‘eu mereço ser estuprado’.  Um garoto chamado ‘Filipe’, ou o seu heterônimo, risos, colocou um post indignado, em capslock perguntando, afinal, qual era a diferença entre estupro e sexo. A minha resposta, como algumas outras, foram didáticas. Sexo é feito com vontade mútua, estupro não. Mas ele continuou. Porque, amigos, é assim que os trolls se alimentam.

Em um momento, ele mandou uma risada para tod@s que estavam respondendo o post com a seriedade que merecia, falando que, puxa, as pessoas estavam levando aquilo “a sério demais”, e que ele e os amigos estavam na página “só para rir” e zoar as pessoas. Afinal, escreveu o garoto, “isso é só a internet”. Sim, é isso que eles pensam. É só a internet. Para mim, isso é só a realidade diária. Quando li isso, comecei a relevar os comentários idiotas e entrar na dança deles. Quem vai rir por último? No final, eu ri, e ri muito da cara deles, garotos que não sabem o que falam.

O medo, no entanto, ainda paira na minha cabeça.  Acho interessante – e um pouco patológico – a maneira que certos homens hipervalorizam a própria opinião, principalmente quando o assunto é o corpo da mulher e o corpo de mulheres desconhecidas. Como se aquelas garotas fossem ficar realmente ofendidas porque uma pessoa SEM ROSTO, afinal é fake, falou que ela não “merece nem ser estuprada porque é muito feia”. E quando a garota fala que não liga, o ódio dos comentários aumentam.  Confesso que já fui vítima de bulliyng com  meu corpo algumas vezes na vida – uma delas na faculdade, feito por pessoas do meu ano do jornalismo –  e não foi a coisa mais legal do planeta, na verdade foi bem o oposto. Com essa memória em mente e vendo os comentários da página, achei melhor não colocar a minha foto nela ontem, apesar de tê-la postado nas minhas redes.

Hoje eu resolvi postar. Porque se você precisa esconder o rosto para provar seu ponto, talvez a sua ideia não seja assim tão boa. E eu não preciso, nenhuma das mulheres que postou aqui precisa. E o meu recado para os machistas de plantão e para os escondidos em perfis falsos é o mesmo: não passarão!

 

NÃO PASSARÃO!