Em nome do Filho

'dont piss heaven off...'

Manhã de quinta feira, dia 3 de junho, feriado.  As ruas ecoavam um silêncio estranho para um dia de semana, até mesmo um feriado. Todo o caminho até a estação da Consolação foi  quieto. Como se nenhum carro não quisesse sair nas ruas, como se os motoristas tivessem cansado e tirado um dia de folga. Pedroso livre, Teododo livre, Augusta livre, Paulista às moscas. No metrô,  algumas pessoas ocupavam as cadeiras do trem da linha verde…

Mas, no Paraíso  tudo mudou.  Uma movimentação surgiu, e urgiu ao chegar na estação Tiradentes. Tudo antes disso foi  uma preparação para o que aconteceria ao sair nesta estação. Um mar verde amarelo de pessoas,  falavam alto, brandava, cantavam apenas um nome: Jesus.

Tudo muito surreal nos olhos – e ouvidos – de uma católica falha como esta que vos fala. Vou falar a verdade em dizer que duvido muitas vezes da validade da Biblia como documento histórico, por isso, não consigo acreditar em muitas histórias que são contadas sobre Jesus. Não chego a questionar a sua existência, e sim a sua santidade. E, de qualquer forma, a minha visão do filho de Deus nunca foi a das melhores – esteticamente falando. Quando pequena tinha medo da figura de Jesus na cruz, achava de uma crueldade tão grande colocar ele ali, de braços abertos, cheio de sangue, com uma coroa de espinhos e um rosto triste.Isso combinado com as minhas péssimas experiências no ambiente da Igreja – lugares muito escuros, cheio de pinturas e esculturas incriveis escondidas naqueles arcos (como é o caso da Sé ou da Igreja do Embaré, em Santos), acústica ruim com músicas horríveis, palavras incompreensivas de um livro que nunca tive vontade de ler me tornaram uma pessoa muito pouco religiosa.

Nem preciso dizer que estranhei toda a comoção inicial antes da ‘ Marcha para Jesus’, a qual tive que acompanhar para o documentário que preparo junto do meu grupo de comparsas, ademais, foi tão conflitante que liguei o botão do sarcasmo. Pois, além de me levar a ser pouco religiosa, todos esses traumas com a Igreja me levaram para outro lado: a ironia critica com todo e qualquer dogma/prática/formato de igrejas que fossem remotamente relacionadas à Católica.

Sambistas em Cristo

Eram muitas pessoas, de idades variadas. A maioria delas tinha câmeras digitais, entre os louvores, filmavam e tiravam fotos.Algumas usavam faixas com o nome de Jesus. Que também estampava bandeiras, partes de trás de camisetas, bonés e cartazes. Ao sair da estação com os fios do microfone enrolados no meu ombro, me deparei com algo que não poderia imaginar: trios elétricos. Sim, muitos. Formavam filas, cada qual tocava um tipo de música gospel diferente. Não fazia ideia da quantidade de gêneros que a música gospel conseguia abarcar: de rock a samba enredo.

De qualquer forma, o barulho incomodava um tanto. E a comoção se misturava com festa. Uma festa que não conseguia entender. Não via razão para aquele tipo de louvor, e de reação. A curiosidade é um bichinho estranho, precisa ser matado de vez em quando para continuar crescendo de maneira saudável. Comecei, então, a ler as entrelinhas daquela manifestação, o conflito de imagens de Jesus, enfim, me prestou para alguma coisa. Para aquelas pessoas, bem como para o pessoal sobre o qual estamos fazendo o documentário, Jesus é a personificação do amor ( eu já achava que era a personificação do sacrifício), e o amor deve ser comemorado, louvado. Música, cor, dança, tudo isso faz parte de uma comemoração, não?

crença e esperança


Sei que é piegas o que contarei agora, mas ampliei um pouco a minha visão quando vi o cartaz ao lado. Uma família, que levava um carrinho de bebê e este cartaz, escutava a uma das orações que um dos pastores fazia no topo do trio elétrico 1. Todos estavam de olhos fechados, lágrimas escorrendo no rosto e braços levantados. Até o garoto mais novo que levavam com eles. O bebe dormia tranquilamente, gozava do bem que sua família lutou/orou para que tivesse: a vida.

Naquele exato momento eu, com toda minha razão cientifica, não me importei se quem agiu foi a mão do médico ou de Deus, só fiquei feliz porque o bebe estava vivo. Sei que é passível de discussão o que falarei aqui, mas, não me passou outra coisa em mente : se eles precisam acreditar daquela maneira nesta religião para lutarem por suas vidas e pela vida dos outros, então esta religião é válida.

A música continuou alta de mais. O local continuou lotado demais. Tudo muito desconfortável para quem, por certos momentos, segurava uma câmera. E, por quase todos os momentos, não fazia ideia do que estava se passando. Mesmo assim, prefiro ter a imagem desta família como o retrato da ‘Marcha para Jesus’.

Senti um tipo de purificação vinda das lágrimas deles, era amor, fé, satisfação, gratidão e humildade liquefeitos, em gotas que manchavam suas bochechas. Foi no rosto de cada um dessa família, e não nas mil camisetas e trios elétricos, que vi Jesus nesta manhã.