Cozinha, a última fronteira do feminismo. Ou seria a primeira?

Quando me mudei para São Paulo, morei em um tipo de “república feminina”.Éramos em cinco meninas. Ainda moro com uma dessas garotas até hoje, inclusive. Outras vieram, chegamos a morar em três, em seis. Sempre mulheres. Sempre mulheres que trabalham. Sempre mulheres que trabalham e estudam – seja na graduação, pós ou nos mais diversificados cursos (de produção até aulas sobre arte contemporânea). Com recém-completos 18 anos, era uma menina quando cheguei na cidade e saí da casa dos meus pais, local onde quase sempre a responsável pela organização, alimentação e limpeza era a minha mãe – apesar de ter anos em que ela trabalhava “fora de casa” entre 12 -13 horas por dia.

(Gostaria de fazer um adendo aqui sobre a minha mãe. Mulher fortíssima, ela trabalha desde não sei que idade e sempre fez questão de ter o próprio dinheiro. Até hoje, ela e meu pai não têm uma conta conjunta, eles dividem, na maneira do possível, as contas de casa.  Ela nunca gostou de ter que pedir dinheiro para ele, não para comprar as coisas que são dela. Considero ela um bom modelo feminino para mim, pelo menos nesse ponto, de mulher que conseguiu sair de uma condição adversa sem precisar de um homem. Mesmo assim, com toda essa postura de chefe da casa, ela ainda é a responsável pela limpeza, arrumação e culinária “do lar”. Meu pai ajuda, mas não divide as tarefas domésticas. Minha avó, cuja história já contei por aqui, também tinha uma personalidade forte, casou-se tarde para a época e quis trabalhar fora de casa. E, adivinhem só, cuidava dos afazeres da casa. Os tempos eram outros, não?!)

Voltemos à história, pois vim morar em São Paulo nova de tudo. Fazia pouca ideia do que tinha que ser feito dentro de uma cozinha, por exemplo. Não tinha ideia quais produtos misturar para limpar o chão direito, era água e detergente? Desinfetante e removedor? Lavar roupa estava naqueles mistérios bem misteriosos. Com o tempo, peguei o jeito. Em menos de um ano, já conseguia me aventurar na cozinha e lavar algumas peças de roupa. “É normal”, disseram-me. Imaginei que fosse, até perceber que muitos amigos meus não tiveram o mesmo tipo de aprendizado em suas repúblicas. Nem mesmo o meu pai, que morou durante anos em república, passou por essa mesma curva de aprendizagem nos afazeres domésticos.

Em repúblicas masculinas é “normal” ter uma diarista, empregada ou faxineira. Veja bem, faço a comparação a partir de colegas e amigos na mesma situação monetária que a minha. Pessoas que estagiavam, estudavam e tudo mais. Isso me deixou intrigada, de verdade. O que eu achava uma obrigação, para muitos garotos, era apenas uma simples tarefa mundana que poderia ser passado para uma mulher fazer. Nesse meio tempo, mais ou menos um ano e meio desde que me mudei, a minha “república” começou a se desfazer e se tornar muito mais um apartamento dividido entre amigas. Começamos a ficar realmente sem tempo e a perceber que nossos finais de semanas ficavam muito comprometidos com faxinas mil. Pensamos bem, pesamos na balança monetária e, bem, conseguimos contratar uma diarista para um final de semana por mês – ou algo assim, não me lembro se era uma frequencia de 2 ou 3 vezes, mas não eram todos os finais de semana, muito menos todos os dias.

A primeira coisa que escutei da minha família ao comentar que estávamos procurando uma diarista foi : “mas você mora com meninas, por que precisa de uma diarista? vocês não sabem limpar?”. A questão era seguida de uma risadinha ou de uma inconformidade mesmo. Como assim, quatro garotas (quanto éramos na época) precisam de uma empregada?! Como se eu e as minhas companheiras de apartamento fossemos menos mulheres porque “nos recusávamos” a fazer essa tarefa.

Nesse meio tempo, um primo meu passou em uma universidade federal e também foi morar numa república masculina. Ninguém questionou sobre o asseio do lugar e eu não me espantei quando descobri que existia, sim, uma diarista. Afinal, os homens não podem ficar perdendo tempo com essa coisa de limpar casa, né?!

Em tempo, algumas diaristas com quem converso se dizem espantadas quando chegam em casas limpas e arrumadas de homens, elogiam os garotos. E ficam igualmente espantadas quando encontram apartamentos bagunçados e sujos habitados por mulheres.

Já cansei de escutar brincadeiras, dentro e fora da minha família, sobre como certos homens merecem parabéns porque sabem lavar uma louça. (Puxa, parabéns, colega, você sabe passar sabão em um bando de pratos/copos e enxaguar. que dificil!) Ou porque sabem dobrar roupas (!). Ou, até mesmo, porque “gostam de cozinhar”.

Por que conto tudo isso para vocês? Bem, acabo de ler um estudo que imaginava ser de agora, mas é de alguns meses atrás. De acordo com o Data Popular, numa pesquisa feita para o site “Tempo de Mulher”, para 50% dos homens brasileiros, cuidar da casa é um papel da mulher. Numa outra pesquisa, feita pelo mesmo instituto para o mesmo site, 42% dos homens afirmaram que não respeitariam homens que escolhessem largar a carreira para cuidar da casa. Para 44% dos homens, tal escolha seria uma vergonha. No entanto, para 78% deles, se uma mulher fizer o mesmo, ela merece o respeito. Ou seja, o brasileiro até acredita que a mulher pode sair, ganhar o próprio dinheiro, pagar as próprias contas, ser a “chefe do lar” mas, no frigir dos ovos, ele crê que o lugar dela é mesmo na cozinha.

Entre duas filas

Hora do almoço na Paulista. Filas se duplicam cada caixa do McDonalds: uma para quem vai fazer o pedido, do lado esquerdo,  outra para quem vai pegar o lanche, do lado direito.  Com um casaco de moletom listrado, jeans e um cabelo “tipo cuia” escuro, um garoto de mais ou menos nove anos espera seu sanduíche ao lado da mãe, eles são os segundos da fila.

Uma garota mais ou menos com seus nove anos, com um vestido de gola alta vermelho escuro e cabelo castanho comprido, também espera junto de sua mãe e irmã menor, só que para pagar. A garota olha para o garoto e, com uma expressão espantada, cochicha nos ouvidos da irmã menor. Ambas saem do lado da mãe e vão verificar direito quem é o menino do outro lado da fila.

As duas voltam, a mãe, curiosa, pergunta o que aconteceu. A garota mais velha, estimulada pelos risos frenéticos da irmã menor, responde que um garoto “da escola dela” está na fila do lado. Sem perceber o rosto risonho da menor, a mãe questiona, em voz altíssima: “por que você não vai dar oi para ele?”. Os movimentos que se seguem são simultâneos: a menina pequena ri alto, a maior diz não e se esconde atrás das pernas da mãe (quem nunca quis se esconder, ou de fato, se escondeu atrás das pernas da mãe/vó/tia depois de ver uma  paixonite, que atire a primeira pedra!) .

O garoto parece não ter percebido toda essa movimentação. Sua atenção se alterna entre o jogo no smartphone da mãe e o balcão de lanches. Eles já são os primeiros da fila, mas, por causa do movimento, há muita espera pelo lanche.

Ainda acanhada, a garota vai até o balcão, do outro lado, para ajudar a irmã a escolher o brinde do McLanche Feliz (um brinquedo em forma de minion, do filme “Meu Malvado Favorito 2”). A mãe continua no segundo lugar da fila para pagar. Enquanto a irmã menor escolhe, animada, qual minion quer, a garota descansa a cabeça no balcão. Ela suspira e olha para a direita, em direção ao menino. A garota pode não falar, mas é possível escutar um “me olha, por favor, me olha” emanando dela.

Depois de alguns segundos nessa posição, ela desiste e volta para o lado da mãe, com a irmã a tiracolo. Quando a garota  – e sua mãe – chega no primeiro lugar da fila, a atendente do McDonalds chama atenção para um lanche pronto, é o do garoto – que também pediu um McLanche Feliz. A mãe do menino pega a bandeja, ele olha para o lado e reconhece a garota.

Ele diz oi e faz um pequeno aceno com a cabeça. Ela dá um sorriso meio envergonhado, meio feliz, acena com a mão e também diz oi. Quando ela olha para frente, para mostrar qual brinde ela escolheu, o garoto vai embora com a sua mãe. Um pouco antes de sair do lado das filas, dá para perceber um par de bochechas vermelhas no menino.

Ah, o amor não escolhe mesmo idade.

O fascismo (também) saiu do Facebook

Partidos sitiados no manifesto desta quinta-feira, 20 (Foto: Mídia NINJA)

Partidos sitiados no manifesto desta quinta-feira, 20 (Foto: Mídia NINJA)

Amigos, a massa desandou, o caldeirão transbordou e o caldo entornou. As manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus, que começaram com fogo e bombas de gás lacrimogênio no meio da Paulista há duas semanas, estão rumando para acabar de maneira muito mais violenta. Só que uma violência psicológica. E, não, não tem nada a ver com a PM (e nem com os R$ 0,20), antes tivesse.

Exatamente uma semana depois da PM ter barbarizado os manifestantes pela região da Consolação, as pessoas voltaram às ruas para, dessa vez, comemorar a revogação das tarifas.  Numa mistura de hino nacional, bandeiras, caras pintadas de verde e amarelo, apitos, fogos de artíficio (sim, para que? eu não sei muito bem), a “passeata” ocorreu de maneira estranha. Diferente até mesmo das passeatas maiores que haviam ocorrido na segunda e na terça-feira. A pauta do transporte foi esquecida e deu lugar a outras, muitas outras, e assustadoras outras.

Antes de ir até a Paulista  já tive alguma ideia de como a carruagem estava andando nessa passeata. Soube de hostilização a militantes partidários, escutei da sala da redação em que trabalho – que fica na Brigadeiro – vaias que eram voltadas a representantes do PT. Forçaram os partidos a saírem do movimento. Previamente, isso já não me deu vontade alguma de participar disso. Mas, como trabalho por ali, fui forçada a ir para a Paulista para pegar um metrô para casa. O clima era de final de copa do mundo. Muitas pessoas, crianças. Poderia ser bonito, juro, mas estava assustador. Vi de longe uma pessoa carregando uma bandeira, enorme, cujos dizeres mostravam “contra a corrupção”. Sim, dessa forma. Não há maneira menos política de se fazer um manifesto do que bradar contra a corrupção, uma coisa difusa da qual ninguém se diz abertamente a favor, logo, ser contra não é lá algo a se pleitear. Outros, muitos, cartazes tinham dizeres contra Dilma (o que ela fez de errado, na constituição, pra merecer um impeachment? eu não sei muito bem), contra o Lula ( se o Superior Tribunal de Justiça, nossa mais alta instituição da Justiça não achou nada para incriminar ele, por que as pessoas das ruas o querem na cadeia? eu não sei muito bem), contra a Copa (que motivo faz as pessoas a querer parar um evento que já gastou tanto para ser feito um ano antes? eu não sei muito bem).

Tudo isso me deixou nauseada. Liguei para um amigo, relatei o acontecido, desacreditada de que, em apenas sete dias, tudo tinha saído tanto do lugar, que nem parecia o mesmo movimento. Desliguei o telefone, então escutei uma coisa que me chamou atenção. Um garoto com um suéter – tipo cardigã sem botão – vermelho vivo estava na calçada gritando com dois grandalhões, carecas, do outro lado da calçada. “Como vocês tiveram coragem de bater em idosos? Pessoas que lutaram na ditadura?”, gritava o garoto, indignado. Do outro lado da calçada, o perto da rua, um dos grandalhões, de camisa roxa, gritava de volta, enquanto avançava no menino. “Seu petista de merda. Comunista. Vai dar o cu para o PT”, gritou. Vejam bem, o menino estava usando um cardigã vermelho, sem estrelas, sem nada. No que escutei isso, fiquei irritada com dois pontos, esse anti-petismo e a homofobia. E gritei também para os grandalhões “isso é democracia. todo mundo junto. partido também é democracia”. O grandalhão de roxo ficou bravo e, se não fosse pelas pessoas que passavam “”””””alheias”””””” a isso, ele teria chegado ainda mais perto de mim. Avançou muito, me chamou de “vadia petista” (por que insistem em chamar mulher de vadia sempre? eu não sei muito bem), falou umas outras impropriedades. Foi puxado pelo amigo, enquanto eu, que continuava gritando “é democracia, é democracia”, fui puxada pelas pessoas do lado da calçada.

O garoto de vermelho, Andrei, comentou comigo que havia sido hostilizado por esses dois brutamontes por estar usando vermelho. Inconformada com o rumo de tudo, não só desse acontecimento pontual, comecei a conversar com ele e com outras, POUCAS pessoas que estavam contra aquela micareta pseudoengajada em que estávamos. “Me doeu menos sentir o gás lacrimogenio e fugir da PM semana passada do que ver o que tudo se tornou”, falou ele para mim. Não pude deixar de concordar, principalmente com as informações que fui recebendo depois. Um menino chamado Gabriel chegou, com a camisa rasgada. Na camisa os dizeres “sem violência, movimento passe livre”. Ele contou para nós o que aconteceu com os militantes de partidos na passeata: violência e hostilidades abertas. Militantes idosos, de 70 anos, 80 anos, do PC, haviam sido ameaçados. Pessoas gritavam e vaiavam, e ele, no alto dos seus 16 anos, ajudou algumas pessoas a fazer uma corda humana para proteger os militantes, que foram obrigados a se retirar. Enquanto isso, a PM não fazia nada. “A PM mudou de farda, agora está usando a bandeira do Brasil”, foi de Andrei a melhor (porém não mais animadora) frase da noite.

Percebi que as pessoas “de esquerda”, ou que se diziam minimamente partidárias (ou que votam em partidos de esquerda, imagino que muitos psdbistas estavam ali, quebrando bandeiras, mas divago) estavam à margem da manifestação. Um grupo da CUT passou na nossa frente, pareciam acuados e temerosos. Um deles olhava para trás, incessantemente, como se fosse perseguido e mantinha as mãos fixas no braço de uma das garotas, que estava atrás dele. As pessoas do meio da rua estavam alheias a isso. Presas no torpor nacionalista, nas bandeiras e no verde e amarelo. E a estranheza, que tanto tinha questionado ao ler esse texto, bateu direto na minha cabeça e no meu estômago. Os PMS apenas observavam os passantes. Discussões “políticas” podiam ser escutadas em quase toda parte, mas numa superficialidade que beira a ingenuidade.

Junto com a insatisfação irrestrita, a falta de conhecimento pode ser mais do que explosiva, como eu pude testemunhar nessa noite, na Paulista. Pessoas carregavam cartazes contra os “políticos”, como se estes fossem uma entidade sem rosto, nome ou sigla e apenas com uma conta bancária, ou melhor, um saco de dinheiro, uma camisa listrada preta e branca e uma máscara. Não, nem todos os políticos são ladrões e corruptos. O que me assustou (e muito) nesta “passeata” foi a total falta de conhecimento político das pessoas que estavam lá com a certeza de que estavam “mudando o Brasil”. Amigos, para mudar algo é necessário que você, no mínimo, entendam a estrutura desse algo. E, pelo que vi das reações, poucos ali entendiam a estrutura da nossa democracia.

Não entender o funcionamento de uma democracia, rechaçar esse sistema, hostilizar quem pensa diferente e banir partidos não tem cara de gigante acordando para mim. Tem cara é de ditadura acordando. É, amigos, aparentemente ‘a juventude’ saiu do Facebook, o fascismo e as incongruências presentes em fóruns e caixas de comentários de portais/blogs também.

[PS: A quem me acha de extrema esquerda ou vermelinha, bem, sinto-lhes informar, sou centro esquerda. E olhe lá.Ah, se você não sabe o que é centro esquerda, favor, veja aqui]

O diário de um desconectado

No ônibus de volta para casa, num início de noite daqueles, deixei de olhar para a tela do meu iPhone. A bateria acabou e me forçou a fazer isso, é lógico. O transporte público não estava lotado, todos estavam sentados, ninguém em pé. De repente, algo me surpreendeu – e não foi nenhuma das freadas do maluco do motorista! . Em todas as duplas de poltronas, alguém segurava, vidrado, o seu smartphone. Alguns digitavam, outros – como eu – jogavam. Outros, com smartphones menores, apenas escutavam música. Todas as pessoas, num transporte público, só que privado.

Foi aí, exatamente aí, neste ponto, que comecei a pensar sobre como as nossas vidas estão onlines. Tenho uma teoria de que não somos mais usuários da internet, mas habitantes dela. Não sou dessas saudosistas, não tenho saudades da vida offline e nem acho que a vida sem internet seja melhor ou pior do que aquela acompanhada da web. Como bem disse Woody Allen, em Meia noite em Paris, as pessoas que dizem aos sete ventos que amariiiam viver no começo do século XX se esquecem que, naquela época, só havia penicilina como antibiótico – sou alérgica a penicilina, o que torna essa sentença ainda mais significante.  A minha surpresa foi ver, no meio do ônibus, o quanto as pessoas estão dividindo uma mesma onda comigo. Um estranho momento em que me senti parte de um todo por causa de uma particularidade e gosto meu.

Mas, o que isso tem a ver com o post? Bem, muito.

Um amigo meu, senhor Marcelo Orcioli, é um daqueles tecnófilos. Nunca vi pessoa mais conectada ao seu smartphone [e à internet] que ele. E, realmente, falo isso como um puta elogio. Ele sempre sabe das notícias do momento, sabe sobre o que as pessoas estão falando bem, sabe se posicionar ante essas informações (vejam bem, ele não é jornalista!) . Está sempre atento a sua volta e tira ótimas fotos no Instagram.  E, lógico, testa e me indica os melhores aplicativos possíveis. Qual foi a minha surpresa quando vi que seu smartphone quebrou??

Para dar uma aliviada em sua frustração, pedi para que ele me escrevesse um pequeno diário de bordo sobre os dias que ficaria sem o seu amado Samsung Galaxy SIII. O resultado foi o texto abaixo:

[Atenção: se você for uma daquelas pessoas que faz distinção entre ‘vida real’ e ‘vida online’, favor, entre em outro site. ou vá ler outro texto desse blog]

O dia do infortúnio

Meu celular não liga, descobri que, por uma falha da Samsung, meu SIII simplesmente queimou sozinho e estou aqui em Ouro Preto-MG, prestes de ir à última festa do Carnaval sem saber o que fazer. Guardei o celular na gaveta e vou levá-lo na assistência técnica em São Paulo amanhã. Meu mundo caiu. [a

#truestory

1º dia sem o celular, o inusitado

Viajei de Minas Gerais para São Paulo sem poder fazer mais nada além de ouvir música, paradas infinitas no Graal da Fernão Dias e eu sem poder fazer check-in, sem poder pegar um sinal de wi-fi, pelo celular. Viajei nos pensamentos, inventando histórias na minha cabeça e, no lugar de de receber informações criei as mais mirabolantes durante todo o caminho da viagem. Cheguei em São Paulo. Fiz um exercício de reflexão legal, mas ainda me falta paciência. Levei o celular na assistência técnica e descobri que ficarei nessa abstinência até o fim do mês. Na volta do trabalho, presenciei um caos na estação de trem que costumo passar (estação Pinheiros) devido às chuvas. Todos estavam com seus celulares tirando fotos, filmando e xingando muito no twitter e eu nem pude fazer 1% disso, me encostei no chão e dormi, enquanto os pseudo jornalistas enchiam as redes sociais de avisos e revoltas. Depois que acordei e peguei o trem, por pura abstinência, fiz algo que nunca tinha feito na vida: puxei assunto com uma desconhecida no vagão, por motivos de: precisava falar! Precisava comentar o assunto, dividir minha experiência, COMPARTILHAR minha opinião e ver se CURTIA a dos outros. Parando pra pensar no que fiz, realmente foi um ato de desespero inconsciente. Cheguei em casa à noite e, por conta da chuva, estava sem internet e televisão à cabo. Comi e dormi cedo como não fazia há muito tempo.

é, não precisam admitir, a nossa vida está mesmo online

2º dia sem o celular, a raiva

Acordei com um barulho horrível do despertador do meu celular antigo, fui para o banho e não pude checar meu aplicativo integrado com os ônibus de São Paulo para ver se estava atrasado para descer ou não, fiquei nervoso, mas me acalmeilogo em seguida quando consegui carona. Vim conversando no carro e esqueci um pouco dos meus problemas. Chegando no serviço, fui tomar café e enquanto tomava meu suco de abacaxi CADÊ O TWITTER?????? E O INSTAGRAM pra compartilhar minha saúde matinal??????????? Me vi num beco. Comi logo para subir para o escritório e acessar a internet pelo computador. Na hora do almoço fui assistir uma mobilização na Paulista e cadê o celular pra tirar uma foto e postar no Instagram? Fiquei irritado, dei risada e tirei umas fotos com o celular velho, porém sem o tesão do “ao vivo”, “na hora”. Fui almoçar e comi rápido novamente para voltar ao escritório. Quatro da tarde. Uma chuva torrencial, com cara de chuva de televisão, cinematográfica, “preciso tirar uma foto!” gritei. Porém logo lembrei da falta do meu smartphone e me contive em observar o espetáculo da natureza pela janela. Fui para o interior de SP, novamente sem internet e sem muita paciência com o mundo aí fora. Combinei de sair com uma amiga grávida, passei meu número novo e chegando no prédio dela para dar carona, cadê Whatsapp para pedir pra descer? Meu Deus! Tive que ligar à cobrar porque não sei usar créditos de celular pré-pago! Ok, nos encontramos e no Fran’s Café encontramos alguns amigos. Todos com seus smartphones tirando foto e eu lá.. tomando açaí, com cara de poucos amigos. Que noite legal.

3º dia sem o celular, a conformidade

Sábado. São José dos Campos. Nada pra fazer. Almocei conformado que não teria nada pra fazer o dia inteiro, muito menos Whatsapp com as pessoas para comentar o tédio ou marcar algo na roça. Confisquei o notebook da minha mãe e fiquei horas navegando, olhando o que estava acontecendo no mundo e tentando contatar algumas pessoas. Combinei de sair com alguns amigos e fui de carona com a minha amiga buscar outra amiga no shopping. Só que minha agenda de contatos estava desatualizada por se tratar do meu antigo aparelho, aí ferrou geral, ninguém conseguiu falar com ninguém e rolou um desencontro daqueles. Me conformei e depois de meia dúzia de palavras voltei pra casa cedo, por causa do fim do horário de verão e assisti séries e gravações na NET. Chato. Tedioso. Mas era o que tinha pra hoje.

bonito. mas como compartilha essa foto?

4º dia sem o celular, aquela depressão

Domingo, depressão materializada, faculdade na iminência de começar, saldo péssimo no banco e.. bem, o resto vocês já sabem. Meu dia foi intensamente estranho. Não consegui fazer nada quase até que descobri o 3G pré-pago, olhei pro meu celular antigo, ele olhou pra mim e testamos. Funcionou, numa velocidade péssima, mas ao menos não estaria tão sozinho nos momentos de desespero. Não existe vontade, nem tesão em navegar. Meu aparelho já está obsoleto há um tempo. Voltei pra São Paulo e apenas sobrevivo do meu iPod. Bora esperar a segunda-feira. Que tristeza.

5º dia sem o celular, chatiado

Plena segunda-feira, já tudo ferrado pra acordar sem o horário de verão, cheguei no serviço, passei o dia na correria e nem tive tempo para pensar na falta do celular. À noite fui para o primeiro dia de faculdade, primeiramente passei na sala de aula para ver o que estava acontecendo e meus amigos foram para o bar confraternizar com os bixos. Na saída da sala não tinha celular para telefonar, muito menos para mandar Whatsapp, não tinha. Tive que ir no meio da multidão procurando. Depois tiramos fotos legais e meu celular não estava lá para compartilhar. Me senti na idade da pedra, onde tirávamos fotos nos lugares e só quando chegávamos em casa postávamos tudo de uma vez. Voltei pra casa, fiz isso e dormi.

smartphones no bus. cenas do cotidiano.

smartphones no bus. cenas do cotidiano.

6º dia sem o celular, esqueci

Vivi minha terça-feira normalmente e, pasmem, esqueci do problema do celular. Só me ferrei, achei péssimo os trajetos (para a faculdade e de volta para casa) onde vi uns cinco celulares por m² iguais ao meu e fiquei me remoendo.

13º dia sem o celular, a gota d’água

Não dá mais. Não consigo mais viver. Me sinto mudo, puta merda, as pessoas me irritam, todos me irritam, quero me enfiar no celular e ficar com ele. Tô desistindo desse diário porque nem paciência pra escrever aqui mais eu tenho.

15º dia sem o celular, contato com a Samsung

Novo prazo para a entrega do celular, sexta-feira. Comecei a contar os segundos já. Não aguento mais esperar. Já não consigo acordar direito sem meu aplicativo do sono, não consigo pegar o ônibus no horário sem meu aplicativo do ônibus, não consigo me comunicar com os meus amigos sem Whatsapp, não consigo passar o tempo de trajeto para o trabalho e faculdade… Está difícil demais.

quando tinha a sua idade….

20º dia sem o celular, a novidade

A reabilitação do meu smartphone está a exatas 24 horas de chegar ao fim, a minha eu já não sei. Depois de exatos 20 dias, finalmente recebi a notícia de que o aparelho está pronto para retirada na assistência técnica da Samsung. O problema é que não posso buscar por motivos de: falta da ordem de serviço, que eu (inocentemente) deixei em casa. O reencontro ficou para amanhã. Tá difícil me concentrar ou focar em qualquer tarefa depois dessa notícia, estou me isolando e irritado com as pessoas, minha ansiedade está se tornando um monstro dentro de mim.

O REENCONTRO

Cara, melhor sensação impossível. Saí para trabalhar (bem leve e sem sono – porque será né – rs), mas antes passei na assistência técnica e peguei meu aparelho funcionando corretamente. Já instalei meio mundo de aplicativos e estou recuperando o tempo perdido nos contatos e configurações. Estou completo agora, posso respirar em paz. Meu mundo voltou a girar e minha necessidade de comunicação será suprida. Não sei vocês, mas esses últimos vinte dias foram os mais estranhos dos últimos tempos, me senti num hiato, pausado, nada funcionava até o celular voltar. Agora vejo soluções para tudo.. Adeus chip provisório e celular antigo/precário. Tudo está no seu devido lugar. Ufa.

Fones de ouvido

Confesso, não era uma pessoa que conhecia os caminhos do transporte público quando morava em Santos. Não usava ônibus de jeito nenhum, sempre arranjava um jeito de pegar carona com pai de amiga, ligava pra mãe e afins. Pois bem, apesar de todos os apertos e desapertos, trânsitos e furtos, aprendi a usar [e até a ver alguns pontos positivos] no bus aqui em São Paulo. É só colocar o fone de ouvido, torcer pro motorista não ser um maluco e ir.

Ou não, né?

não, a foto não é minha, #droga

Num dia desses nas minhas tão magras férias agora de julho, fui até o centro de Santos para buscar meu passaporte e, de lá, fui até o Gonzaga. Eu e meu inseparável companheiro, o ipod roxo [que, junto dos livros 5, 6 e 7 do Harry Potter foram meu conforto neste fim de junho/início de julho]. Qual foi a minha surpresa quando as pessoas do ônibus me olharam de maneira estranha quando coloquei os foninhos brancos do iPod?  Primeiro achei que a música estava muito alta. Não.  Então não liguei muito, estava um sol lindo e o õnibus segui até que um caminho legal.

Só depois me liguei que ninguém, NINGUÉM no ônibus estava usando fone de ouvido. Nem nas ruas. Ninguém nas ruas do gonzaga [ou até mesmo nas ruas do meu bairro, no mercadinho do lado] andava com fone de nada. Sem contar que o ritmo em que andava era quase maluco para as pessoas do meu lado. Percebi que passava esbarrando nelas – e que elas, por sua vez, me olhavam assustadas -, como se estivesse com muita pressa de chegar a lugar algum. Afinal, estava de férias e, naquele dia em específico, não tinha nenhum horário marcado com ninguém.

É interessantemente assustador como nos acostumamos com certos hábitos. Como nos tornamos insensíveis a eles. Acho que naquele momento, ou melhor, um pouco depois desse passeio de ônibus por Santos que comecei a me dar conta o quanto São Paulo é violento. Não nos índices de homicídio ou morte. Mas violento com o nosso tempo interno. São Paulo tem o poder de acelerar a nossa vida e de nos tornar mais auto-centrados. Cada um no seu quadrado.

Qual a razão, afinal, de uma pessoa escutar música enquanto anda na rua? Por que não escutar os barulhos da rua? Qual o mal em escutar as pessoas do ônibus?  Quer dizer, será que a gente precisa ser entretido a todo momento a ponto de esquecer que vive numa cidade com outras pessoas? Qual o problema em saber da existência dela?

Olha, eu tenho uma teoria sobre isso. Eu não, Marc Augé. Esse cara escreveu sobre como a supermodernidade está nos levando a criar ‘não lugares’, ou seja, lugares que servem apenas para a passagem de pessoas. Lugares com as quais as pessoas não se identificam mais. Dentro dessa ideia, eu gostaria de acrescentar que as grandes cidades, como São Paulo, exigem certas adaptações de seus moradores. Para a nossa sobrevivência, criamos máscaras de impessoalidade. Eu não sei o que ocorre com a pessoa do meu lado, ela não sabe o que acontece comigo, nós vivemos bem, cada um a nossa vida, e é capaz de nunca mais nos encontrarmos no transporte público.

No cotidiano, São Paulo é uma cidade impessoal. As ruas são não lugares. Não criam vínculos. Pelo menos, acho que sou impessoal no meu cotidiano. Os ônibus são meus grandes não-lugares; mais impessoal do que nunca. E esse contato com uma cidade pessoal no seu dia a dia, como Santos, foi uma lembrança de que, ás vezes, é melhor apenas apreciar os sons da cidade do que qualquer música da minha playlist ou preferir o contato com elas do que o touch do ipod ou, até mesmo, achar melhor caminhas ao meu ritmo e não ao ritmo de Arcade Fire*.

*Uma coincidência : o álbum The Suburbs, do Arcade Fire, fala exatamente sobre a diferença que se tem entre a vida dos suburbios e a vida das cidades. Cada qual com o seu tipo de amarra.

Igualdade, sem mais

Vi um casal, menino e menina, andando de mãos dadas hoje na Paulista. Ela mais baixa, ele a abraçando com um braço, pela esquerda.Passavam-me tanta tranquilidade que fiquei feliz por eles. Vi outro casal, menino e menino, também na Paulista. No McDonalds, sentados, conversando com as mãos unidas em cima da mesa. Me comovi pelos olhares que trocavam e também fiquei feliz pelo tipo de sentimento que percebi entre ambos.

Não defendo a homossexualidade, simplesmente porque não acho que ela é uma vergonha ou um problema ou um desvio, dessa forma, não precisa ser justificada e muito menos defendida. Respeito tudo que tem a ver com o mundo gay, assim como respeito tudo que tem a ver com o mundo feminino e com o mundo masculino. Afinal, realmente acredito que somos todos iguais.

Por isso vejo a homofobia de maneira tão estranha. Para mim, honestamente, ela não faz sentido algum. Se homens e mulheres são iguais, não faz diferença se eles se gostem entre eles, elas ou êlas. É simples, bizarramente simples. Não sei porque assusta tanto. Aliás, até consigo pensar o porquê. mas ele não me convence a ponto de tornar este sentimento plausível.

Outra coisa que não compreendo: pessoas que diferem homofobia de machismo. Não compreendo, de verdade. O que mais escuto desse pessoal que é “contra” a homossexualidade (como se tivesse como ser contra algo que vem da pessoa. é como ser contra existirem pessoas de cabelo enrolado ou ser contra a existência de ruivos) é que um homem gay, por exemplo, incomoda por ter atitudes femininas “anti-naturais”. Se uma pessoa não consegue respeitar outra por achar que esta tem “traços femininos”, como ela consegue respeitar alguém totalmente feminino? Como consegue respeitar, cem por cento, uma mulher?

E o que raios significa ser homem ou ser mulher? O que raios significa ter feminilidade ou ter traços femininos? Significa falar mais baixo? Andar rebolando? Ter algum cacoete com a mão? Usar roupas apertadas? Pintar as unhas? Se preocupar com a aparência? Vocês conseguem enxergar como a visão do gay é absurdamente preconceituosa com a mulher?  E a masculinidade?O que é? É usar roupas largas? Falar grosso? Andar de maneira desengonçada?Coçar as partes íntimas? Gostar de futebol? Usar o cabelo curto? Novamente, simplificação do que é ser homem. Como conseguiram transformar o lado psicológico do gênero em pequenas ações idiotas que não significam porcaria nenhuma? E como as pessoas conseguem cair nessa história?

A Agenda Política Gay: 1. Igualdade 2. Ver o item 1

“Mas não é normal. Se fosse, um casal de gays poderia conceber um filho”. Toda vez que escuto alguma frase do gênero, a minha vontade é de perguntar se a pessoa em questão usa algum método contraceptivo. Porque se usa, bem, ela também não é normal, afinal não está transando pra conceber. E ainda falam da anatomia. Volto à vontade de perguntar, na lata, se a pessoa faz ou já recebeu um boquete. Porque se sim, bem, ela também não é natural. Afinal, segundo a natureza pregada por esta mesma pessoa, bem, a boca não foi feita para isso. Se, segundo eles, o ânus só foi feito para…defecar. A boca ‘só’ foi feita pra se comer e beber.

O normal é conformado. O normal é juiz, jurado e júri. O normal não aceita questões. O normal não aceita. O normal não muda, é igual desde que nos conhecemos por gente. Por que, então, o normal é bom? Novamente, não faz sentido algum.

De qualquer forma, acho que prefiro focar nos casais que vi hoje. Um segredinho: o segundo estava mais feliz que o primeiro. Acho que hoje podia, eles tinham lá os seus motivos.

Uma noite qualquer

A leve brisa de verão se intensifica e eleva o tecido da minha saia levemente para a esquerda. O tempo passa enquanto espero minha amiga em frente a um bar. A calçada está em construção e eu me posiciono estrategicamente encostada numa pilha de pisos que, algum dia, estarão colados ao chão.

Uma menina passa apressadamente do outro lado da rua. Um carro para na minha frente. Saem dele dois senhores ricos de meia idade, um segura um blackberry e o outro uma sacola com uma marca de jacarézinho. O do blackberry usa seu aparelho para ligar para uma amiga, possivelmente aniversariante, e pergunta para ela quando ela chegará ao local em que estão. Eles seguem para o bar ao lado de onde estou. Um relâmpago corta o céu.

A rua parece uma linha limite, um meridiano: de um lado prédios, de outro bares. O neon azul da entrada do lugar em que estou ilumina uma parte do meu rosto, a outra parte do meu rosto é iluminada por algo amarelo e laranja. Essas cores vem do bar que, no quesito faixa etária dos frequentadores, se difere bastante daquele que irei.

Indo para o lado oposto da maioria das pessoas está uma dupla de trabalhadores. Ambos estão suados e parecem estar voltando do ambiente de trabalho. Duas ou três pessoas atravessam a rua com seus respectivos cães. Um desses cães tem a língua para fora e resiste aos puxões da coleira de seu dono. O fogo que aquece os amendoins que um senhor tenta vender aos transeuntes dá um tom amarelado à calçada. A cada passo do vendedor, o fogo se move mais, ameaçadoramente. Por alguns segundos parece que ele irá queimar toda a mercadoria; nos segundos restantes, ele segue, seguro, em sua pequena gaiola.

Um garoto alto passa marchando. Seus passos parecem acompanhar a música que apenas ele está escutando. Um outro rapaz não tem tanta sutileza e deixa a música que escuta aberta para todos em um celular preso à alça esquerda da sua mochila. Mais um relâmpago corta o céu, que fica levemente avermelhado.

Uma mãe caminha de mãos dadas de sua filha, que chora silenciosamente. Uma garota vestida com roupas de ginástica trota em passos largos carregando duas pequenas sacolas de supermercado.Uma outra garota, mas recém-arrumada sai da entrada principal de seu prédio. Ela olha para os lados, abre a bolsa e a fecha novamente. Desce as escadas e, sem demora, entra num táxi.Uma vez ou outra esses carros atravessam os pontos direito e esquerdo do meu olhar na rua.

Um carro prateado para bem na minha frente. Os vidros escuros se abrem, uma menina olha através de uma fresta nele. Decepção: o bar onde me encontro ainda está bem vazio. Tal informação é passada de pessoa em pessoa no carro, eles decidem não se incomodar em sair dele.  O barulho do motor do carro se perde e um silêncio momentâneo se instala. Até que novos barulhos de motores cortam o ar e novos carros aparecem na vista.

Mais um relâmpago brilha nos céus. Mas este veio acompanhado de um vento mais forte. É, parece que vai chover mesmo.

Conto de Fadas

Quando menina, seu sonho era enamorar-se com o menino mais bonito da região. Todos o amavam e ela seguia esse pensamento. O menino parecia retribuir o sentimento de todos.

Alguns anos se passaram e a situação não mudou. A menina cresceu, ficou tão bonita quanto o menino era. O menino ficou ainda mais lindo, agradável e amável. Ela não conseguia chamar a sua atenção, nada que ela tinha parecia fazer com que ele caíssem em seus encantos.

Quando teve a incrível ideia para conquistá-lo, um forasteiro apareceu. O forasteiro era estranho, tinha ideias bizarras, divertidas, agitadas. Nada do que a menina estava acostumada e, surpreendentemente, ela não se afastou, não conseguiu se separar daquilo que lhe era tão diferente. Ela foi dragada pelos ideais do forasteiro, com seu sotaque de outros lugares e com promessas absurdamente diferentes.

Todos ficaram em choque quando viram o que estava acontecendo entre ambos. Perceberam, e bem, que ali tinha algo mais. Passaram a perguntar para a pobre menina “como você prefere ele?” “ele é sujo, por que não continua com o menino lindo?”. E ela, confusa com toda a situação, não respondia.

Depois de um tempo, tudo se esclareceu para ela. Não estava destinada para o menino bonito, mesmo se quisesse. Estava destinada para mais, para o mundo que o forasteiro lhe trazia. Foi mais ou menos nessa época que passou a responder “porque sim” para todas as questões ferinas desferidas a ela.

O menino bonito continuou sendo lindo a seus olhos e ainda despertava muito carinho. Mas foi o forasteiro que conseguiu o seu coração.

Essa menina sou eu. Esse forasteiro é São Paulo; o menino bonito é Santos.

Parabéns pelos seus 457 anos, São Paulo! Essa é minha declaração para você!

Em nome do Filho

'dont piss heaven off...'

Manhã de quinta feira, dia 3 de junho, feriado.  As ruas ecoavam um silêncio estranho para um dia de semana, até mesmo um feriado. Todo o caminho até a estação da Consolação foi  quieto. Como se nenhum carro não quisesse sair nas ruas, como se os motoristas tivessem cansado e tirado um dia de folga. Pedroso livre, Teododo livre, Augusta livre, Paulista às moscas. No metrô,  algumas pessoas ocupavam as cadeiras do trem da linha verde…

Mas, no Paraíso  tudo mudou.  Uma movimentação surgiu, e urgiu ao chegar na estação Tiradentes. Tudo antes disso foi  uma preparação para o que aconteceria ao sair nesta estação. Um mar verde amarelo de pessoas,  falavam alto, brandava, cantavam apenas um nome: Jesus.

Tudo muito surreal nos olhos – e ouvidos – de uma católica falha como esta que vos fala. Vou falar a verdade em dizer que duvido muitas vezes da validade da Biblia como documento histórico, por isso, não consigo acreditar em muitas histórias que são contadas sobre Jesus. Não chego a questionar a sua existência, e sim a sua santidade. E, de qualquer forma, a minha visão do filho de Deus nunca foi a das melhores – esteticamente falando. Quando pequena tinha medo da figura de Jesus na cruz, achava de uma crueldade tão grande colocar ele ali, de braços abertos, cheio de sangue, com uma coroa de espinhos e um rosto triste.Isso combinado com as minhas péssimas experiências no ambiente da Igreja – lugares muito escuros, cheio de pinturas e esculturas incriveis escondidas naqueles arcos (como é o caso da Sé ou da Igreja do Embaré, em Santos), acústica ruim com músicas horríveis, palavras incompreensivas de um livro que nunca tive vontade de ler me tornaram uma pessoa muito pouco religiosa.

Nem preciso dizer que estranhei toda a comoção inicial antes da ‘ Marcha para Jesus’, a qual tive que acompanhar para o documentário que preparo junto do meu grupo de comparsas, ademais, foi tão conflitante que liguei o botão do sarcasmo. Pois, além de me levar a ser pouco religiosa, todos esses traumas com a Igreja me levaram para outro lado: a ironia critica com todo e qualquer dogma/prática/formato de igrejas que fossem remotamente relacionadas à Católica.

Sambistas em Cristo

Eram muitas pessoas, de idades variadas. A maioria delas tinha câmeras digitais, entre os louvores, filmavam e tiravam fotos.Algumas usavam faixas com o nome de Jesus. Que também estampava bandeiras, partes de trás de camisetas, bonés e cartazes. Ao sair da estação com os fios do microfone enrolados no meu ombro, me deparei com algo que não poderia imaginar: trios elétricos. Sim, muitos. Formavam filas, cada qual tocava um tipo de música gospel diferente. Não fazia ideia da quantidade de gêneros que a música gospel conseguia abarcar: de rock a samba enredo.

De qualquer forma, o barulho incomodava um tanto. E a comoção se misturava com festa. Uma festa que não conseguia entender. Não via razão para aquele tipo de louvor, e de reação. A curiosidade é um bichinho estranho, precisa ser matado de vez em quando para continuar crescendo de maneira saudável. Comecei, então, a ler as entrelinhas daquela manifestação, o conflito de imagens de Jesus, enfim, me prestou para alguma coisa. Para aquelas pessoas, bem como para o pessoal sobre o qual estamos fazendo o documentário, Jesus é a personificação do amor ( eu já achava que era a personificação do sacrifício), e o amor deve ser comemorado, louvado. Música, cor, dança, tudo isso faz parte de uma comemoração, não?

crença e esperança


Sei que é piegas o que contarei agora, mas ampliei um pouco a minha visão quando vi o cartaz ao lado. Uma família, que levava um carrinho de bebê e este cartaz, escutava a uma das orações que um dos pastores fazia no topo do trio elétrico 1. Todos estavam de olhos fechados, lágrimas escorrendo no rosto e braços levantados. Até o garoto mais novo que levavam com eles. O bebe dormia tranquilamente, gozava do bem que sua família lutou/orou para que tivesse: a vida.

Naquele exato momento eu, com toda minha razão cientifica, não me importei se quem agiu foi a mão do médico ou de Deus, só fiquei feliz porque o bebe estava vivo. Sei que é passível de discussão o que falarei aqui, mas, não me passou outra coisa em mente : se eles precisam acreditar daquela maneira nesta religião para lutarem por suas vidas e pela vida dos outros, então esta religião é válida.

A música continuou alta de mais. O local continuou lotado demais. Tudo muito desconfortável para quem, por certos momentos, segurava uma câmera. E, por quase todos os momentos, não fazia ideia do que estava se passando. Mesmo assim, prefiro ter a imagem desta família como o retrato da ‘Marcha para Jesus’.

Senti um tipo de purificação vinda das lágrimas deles, era amor, fé, satisfação, gratidão e humildade liquefeitos, em gotas que manchavam suas bochechas. Foi no rosto de cada um dessa família, e não nas mil camisetas e trios elétricos, que vi Jesus nesta manhã.

USP “Em Greve” ???

Balela, gente. É tudo balela! A USP não está em greve. Alguns alunos, junto dos funcionários, decidiram fazer greve. Eles tem os motivos -descordenados, desconexos e desviados – para fazer tal tipo de mobilização. Mas isso não quer dizer que a Universidade parou.

A ação da PM, há duas semanas atrás, foi extrema, mas não foi ilegal. A PM não funciona pelo diálogo, funciona por ações táticas e respostas a ameaças. A PM tratou os alunos da USP do mesmo jeito que trata uma torcida baderneira do Corinthians ou do São Paulo. Deve ter sido isso que irritou tanto alguns alunos de lá.

Sou aluna daquele local, por isso, sei dizer que passar na Fuvest não faz bem para a cabeça da maioria. Os egos inflam logo no dia da matrícula, lógico, você passou no vestibular mais difícil da “Melhor Universidade da América Latina”, parabéns! Isso sobe a cabeça, e os alunos começam a achar que estão acima dos cidadãos comuns do planeta.

Os funcionários, por outro lado, tentam sempre agariar forças do Movimento Estudantil. Sozinhos, não tem poder de barganha. Ou seja, aumentam o poder na cabeça dos pobres estudantes uspianos.

Como assim, a PM tratou os “estudantes da USP” como trata a qualquer outro da rua? Isso é censura? Repressão? Ilegal?Violência gratuita?

Não, não é nada disso. É apenas uma tática. É apenas um treino. Policiais são treinados para fazer isso. Não se trata do que é justo, ou do que é “politicamente correto”. PM´s usam capacetes, escudos, coletes anti-balas não servem para discutir. Eles não fizeram nada contra aquilo para que são treinados, aquilo para que trabalham!

A discussão que deve ser levada em pauta é: por que Suely Vilela – a reitora- decidiu chama-los? Por que chegou a este ponto?

Muitos motivos, muitos lados errados. Entendam, assim como a ação de chamar a PM foi extremada, a ação dos grevistas foi exagerada: trancar o portão de frente da Cidade Universitária (local em que passam muitos carros que nem pertencem a alunos ou professores, pertencem a cidadãos comuns “não-uspianos”); fechar as bibliotecas; tentar invadir a reitoria.

Os uspianos são tão fechados em si mesmos, em suas grandezas de inteligência, ou de pseudo-conhecimento, que esquecem que a instituição em que estudam é financiada por dinheiro público, e é voltada para ele. Autonomia é diferente de liberdade.  A USP não pode esquecer quem a financia, e para quem deve prestar contas.

A PM veio para avisar que, embora sejamos nós, os uspianos, os principais usuários da Cid. Universitária, ela pertence a todo mundo.

Violência por violência, me sinto muito mais agredida quando sou impedida de entrar em uma biblioteca, ou em um dos restaurantes universitários, ou de assistir alguma aula (a ECA fica do lado do Sintusp – Sindicato dos Func. da USP, ou seja, qnd tem manifestação, não se tem aula…o barulho não deixa), que por uma fumacinha de PM.