Top of the pops

O espírito de fim de ano baixou em mim. Apesar de ainda não ter entrado de férias, nem de recesso ainda, sinto que preciso começar a enterrar este 2010! Por isso, resolvi terminar o ano neste blog do jeito que comecei: com cinema. Na verdade, isso só surgiu agora, eu queria mesmo era falar dos filmes que vi no ano.

Depois de fazer uma lista e de pensar um tanto, resolvi que farei um Top 10 de 2010! E o mais incrível é que esta lista contará apenas com os filmes que vi no cinema! Em tempo, mais de metade dos filmes que costumo ver são anteriores a 2000 [1/3 deles são anteriores a 1970!], o que me deixa bastante confusa quanto aos filmes a que assisti no ano.

Antes de começar a fazer a lista em si, preciso dizer que fiquei bastante surpresa ao perceber o quanto eu não vi os “lançamentos do ano”. E não faço isso porque não gosto de filme hollywoodiano ou porque quero manter uma postura-de-pessoa-inteligente, eu apenas tenho preguiça de pegar fila grande no cinema [algo mais do que comum quando se trata de um grande lançamento nos cinemas paulistanos. são DUAS filas, btw, se você tiver sorte de passar pela fila da bilheteria, terá uma outra na porta do cinema, para as pessoas garantirem seus lugares. Paulistanos e filas, um caso de amor]. E outra:confesso que muita informação, propaganda e comentários antes de qualquer filme me deixam bodeada para assisti-lo. Essa é a razão primordial para que não tenha visto Tropa de Elite 2 até a presente data. Fico deixando para depois e eles saem do cinema. Thats life.

E agora, rufem os tambores, a lista está aqui:

1. Cópia Fiel (Certified Copy, 2010 – Abbas Kiarostami)

Elle (Juliette Binoche), James Miler (William Shimell) e uma cidadezinha da Itália: precisa de mais?

De todo este top 10, este é o único filme que está devidamente rankeado. Foi, de longe, o melhor filme a que assisti em 2010! Vi numa sessão sábado à tarde no Reserva Cultural como parte da Mostra. Esse filme trata as feridas e traumas que o amor causa de uma maneira simples e tem uma delicadeza nada comum no cinema do Kiarostami [um iraniano que resolveu fazer um filme com uma francesa e um ingles na Itália] . Elle [Juliette Binoche] parece não conhecer o escritor James Miler [William Shimell]e também aparenta ser bastante encantada por este inglês. Quando ele está fazendo uma palestra em Toscana, a francesa o convida para uma pequena viagem. A relação de ambos é estranha eles compartilham intimidades demais para serem meros desconhecidos, mas são distantes demais para serem íntimos. Eles andam por uma pequena vila da Toscana, lindíssima, conversam, trocam opiniões.E o que era para ser um filme de romance se transforma em drama com traços de comédia. Nas nuances de diálogo a relação dos dois se desvenda, o passado vem à tona e a pergunta que fica no ar é: o que é aparência? O que é a cópia e o que é o real? Se for falar mais do filme, não consigo terminar a lista. Só recomendo que se você não o viu , por favor, baixe agora ou espere ele estrear no primeiro trimestre de 2011. Vale a pena!

2. Minha Felicidade (Schastye Moe, 2009 – Sergei Loznitsa)

Georgy (Viktor Nemets) no frio doloroso do inverno russo e do mutismo traumático

Bem, esse filme foi tema do post anterior a este. Só preciso acrescentar que o teor político do filme pode assustar um pouco, mas é uma história que deve ser contada. Georgy [Viktor Nemets] é um caminhoneiro que se perde na estrada e acaba caindo numa emboscada de ladrões de carga. Os ladrões batem nele antes de ver o que carrega em seu caminhão (farinha: nada valioso). Nesse momento, o destino de todos muda violentamente. E Georgy, antes tranquilo e simpático como a primavera em que dirige, fica traumatizado, doente e mudo, como o inverno em que o filme termina.

3. Soul Kitchen (Idem, 2009 – Fatih Akin)

Ufa! Tava ficando muito séria a lista. Até parece que sou uma pessoa densa, cult e centrada. Vem para a lista uma comédia engraçadíssima do diretor turco-alemão Fatih Akin. Antes de falar da história preciso comentar a trilha sonora. Fatih Akin é DJ em Hamburgo nas horas vagas e conhece uma galerona de músicos. Não era de se estranhar que Soul Kitchen tivesse música até no nome! A trilha desse filme tá incrível! É uma mistura de funk dos anos 70 com música balcânica [destaque para Manolis, do Dj Shantel, que encerra o trailer acima]! A história é trági-cômica Zinos Kazantsakis [Adam Bousdoukos] é um ascendente de grego que tem um restaurante numa área pouco nobre de Hamburgo. A comida do local é tão ruim quanto o lugar em si, e ele decide mudar as coisas quando conhece um cozinheiro maluco [que ama tacar facas nas paredes] . Com um golpe de sorte, uma academia de dança abre ao lado do bar e o Soul Kitchen vira um sucesso [com ajuda dos pratos ‘chiques’ do chef Shayn] ! Nesse meio tempo, Zinos tem que cuidar de um irmão trambiqueiro, de uma namorada que foi para Xangai e de uma hérnia de disco. Tudo isso de maneira engraçadissima e ritmada!

4.Tudo pode dar certo (Whatever works, 2009 – Woody Allen)

É, se não tivesse um do Woody Allen a lista não estaria completa! Vi este filme sozinha no Belas Artes. Cheguei em casa, e corri para baixar Manhattan, também do Allen. É impressionante como o Woody Allen sabe filmar Manhattan, onde Tudo pode dar certo acontece! Não estou falando mal de ‘Vicky, Cristina, Barcelona’, longe de mim. Mas dá para perceber quando alguém volta para casa. Nova York propulsiona o encontro de Boris (Larry David, que faz um Woody Allen perfeito!) e Melody (Evan Rachel Wood). Um senhor, físico inteligentíssimo e uma menina do interior que quer ser atriz. As tiradas pessimistas de Boris nos tomam conta, logo no começo do filme ele fala : Se você quer um filme para se sentir bem, vai lá e pede uma massagem no pé. No fim, é um filme para se sentir bem, mesmo com o pessimismo. Os pais de Melody também aparecem em Nova York, também mudam por causa da cidade: é o poder devastador que a dúvida traz. Apenas as grandes cidades podem colocar certos tipos de questionamentos na cabeça das pessoas. E apenas certos personagens conseguem fazer com que tais questionamentos se transformem em ações.

5. A Origem (Inception, 2010 – Christopher Nolan)

Pronto, Hollywood apareceu! Com um filme de alta classe, se quer saber. Nolan, diretor de Batman – O Cavaleiro das Trevas, deu o tom do filme mais surreal que os de Buñuel. Lembro de ter lido uma crítica de “A Origem” escrita pelo Calligaris em que ele falava que este foi o primeiro filme que conseguiu captar o que é um sonho. As ações se interpõem, os efeitos são estonteantes e a turma de atores está em sintonia. Como explicar “A Origem”?  Cobb (Leo DiCaprio) junta uma turma para colocar a ideia na mente de alguém, no lugar de roubá-la como estava acostumado.Além disso, ele tem que lidar com seu próprio inconsciente assombrado pela figura de Mal (Marion Cotillard, DIVA!). Quando entram no mundo dos sonhos, os tempos se diferem, e o filme passa a ter duas, três, quatro realidades ao mesmo tempo. A história tem camadas, todas elas devidamente explicadas em palavras ou com efeitos especiais. Se é uma coisa que Nolan não tem esta é sutileza.  Mas o filme funciona muito bem assim!

6. Abutres (Carrancho, 2010 – Pablo Trapero)

Sosa (Ricardo Darín) e Luján (Martina Gusman) o social, o amoroso e o político. Go Argentina!

Sabe aqueles filmes que te deixam pregados na cadeira do cinema? Então, este é “Abutres”. Confesso que nunca tinha assistido nada do Trapero antes, mas fiquei curiosa. Este filme tem trama e tem crítica social. Sosa (Darín) trabalha como “carrancho”, ou seja, fica a espreita de acidentes de trânsito para falar com os acidentados e burlar as leis de indernização. Tudo poderia ser pintado de maneira muito política e violenta se não houvesse Luján (Martina Gusman), uma médica de pronto-socorro por quem Sosa se apaixona. As cenas não se fazem de rogadas, o sangue aparece mesmo, as mortes aparecem mesmo. Nisso, as personagens se escondem. A violência pode ser exposta,  mas as personagens não. Em “Abutres” se mostra exatamente como o cinema argentino consegue versar sobre temas políticos sem ser considerados militantes e conseguem falar sobre romance sem ser piegas.

7. Os Inquilinos (Idem, 2009 – Sérgio Bianchi)

Válter (Marat Descartes) como o trabalhador da classe D

A prova cabal de que o cinema brasileiro não precisa falar da favela como ambiente socio-economico e sim como local psicológico. O medo está presente em todo esse filme do Bianchi, é algo paralizante. Válter (Marat Descartes) mora na periferia de São Paulo em uma casa com sua mulher e os dois filhos, eles moram . Tudo muda na vida deles e da vizinhança quando uma turma meio estranha passa a se alojar na casa ao lado: não se sabe se são traficantes, ladrões ou estupradores. Só se sabe que eles são malvados. A figura dos vizinhos é a personificação do diabo interno que cada um tem em si. Válter teme pela segurança de sua família e, mais do que tudo, teme pela sua impotência perante os estranhos. Falando em temer e medo, uma voz conhecidinha da gente aparece no filme: Datena! Sim, a família de Válter assiste ao programa do Datena que, inflamado, faz com que o terror paire pela aura das personagens.

8. À Prova de Morte (Death Proof, 2007  – Quentin Tarantino)

Não, não fiquei maluca, o filme é mesmo de 2007. Tarantino fez esse filme para ser a primeira parte de “Grind House”, junto com “Planeta Terror” de seu amigo Robert Rodrigues. Como se pode observar, a distribuição no Brasil foi #epicfail: Planeta Terror já estava em DVD para alugar quando A Prova de Morte chegou aos cinemas. Mesmo assim, o filme não perde a sua força. Ele é curto, violento, sádico e engraçado: uma boa síntese do cinema de Tarantino.  A história é maluca – como sempre – envolve um personagem meio estranho quase-sem nome [O Dublê Mike, vivido por um Kurt Russel bem badass] que tenta matar mulheres com o seu carro “a prova de morte”. Mas as mulheres de Tarantino não são nada ingênuas e pacíficas, por isso o Dublê Mike toma o revés da sua vida. As falas afiadas e a trilha sonora brega/hype também aparecem em “A Prova de Morte” [ Hold Tight e Chick Habbit são músicas presentes em minhas playlists até agora]. É, portanto, um filme de puro entretenimento a la Tarantino.

9. Guerra ao Terror (The Hurt Locker, 2009 – Kathryn Bigelow)

 

Sargento William James (Jeremy Renner) numa guerra interna com certas explosões externas

Entre as curvas esburacadas da estrada de BH a Tiradentes, alguns críticos de cinema comentavam sobre “Guerra ao Terror”, mais precisamente sobre Kathryn Bigelow. “Ela dirige feito macho”, brincou um. Ri e não comentei porque não conhecia nem a diretora, nem o filme. Não tardou para assisti-lo e concordar: ela dirige mesmo feito homem. Guerra ao Terror é desprovido de sentimentalismos, mensagens pacifistas e nojinhos femininos [sou mulher, acho que posso falar da minha ‘classe’]. Mesmo assim, o filme é político, sentimental e pacifista! Nas entrelinhas da linguagem documental, a realidade aparece e o medo transborda. Os militares do filme não vivem uma guerra clássica de bem contra o mal ou de eixo contra aliados. Nem eles sabem como são seus inimigos. Uma das melhores cenas é quando eles estão no meio do deserto atirando a esmo e se escondendo de outros tiros vindos do nada. Como Abutres, Guerra ao Terror prende você na cadeira, você termina o filme mais tenso do que quando o começou a ver. Afinal, cinema bão é aquele que te derruba mais que a realidade.

10. A Rede Social (The Social Network, 2010 – David Fincher)

Tanto o filme acima quanto este tem uma coisa em comum: conseguem retratar uma geração de maneira quase documental. Enquanto o Guerra ao Terror tem um jeito quase todo documental, a película de Fincher é mais  sensível e puxada para ficção, o que não a torna menos real whatsoever. O ritmo da fala de Zuckerberg (Jesse Eisenberg), Saverin (Andrew Garfield) e Sean Parker (Justin Timberlake arrasando) reproduz a velocidade de um perfil no Facebook com muitos amigos: rápido, confuso e hiperlinkado.  Podia ficar falando do Fincher, mas prefiro apontar para a edição do filme que também faz juz ao Facebook. Consegui entender e me ver no filme. Cresci com a internet semi-consolidada, minha pré-adolescencia já foi na Web 2.0 . Tive blogs, orkut e agora twitter e facebook. Ou seja, sou mesmo geração y, sou mesmo uma parte do A Rede Social. Na minha humilde opinião, os críticos que falaram que as personagens do filme “retratam uma geração” são velhos e estão errados. É o ritmo, a edição, a trilha sonora e o background que retratam a Geração Y, não os dramas e falhas das personagens.

Menção Honrosa [ou a prova de que não sirvo para fazer listas]

1. As Melhores Coisas do Mundo (Idem, 2010 – Laís Bodanzky) – Tenho uma relação especial com esse filme. Acompanhei a sua filmagem e ele foi tema da minha primeira matéria na Revista de CINEMA no ano passado.  Não imaginava que o filme fosse ser tão bom! O que mais me chamou atenção nele é que As Melhores Coisas do Mundo é …real! Nada de adolescentes-que-tomam-suco da Malhação. É uma galera do mal, como bem lembro que foram no colegial, que fui no colegial. E tem Beatles. Não preciso dizer mais nada!

2. Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte I (Harry Potter and the Deathly Hallows Part I, 2010 – David Yates) – Este é o meu lado harrypottermaníaca falando. Este foi o primeiro filme que, de fato, fez juz ao livro. E isso é muito! Pela primeira vez , também, o Radcliffe convenceu como protagonista.

3. Beyond (Svinalängorna, 2010 – Pernilla August) – Filme bergmaniano feito por uma atriz que atuou num filme de Bergman! Ironias do destino à parte. O filme é um soco no estômago ao tratar do passado familiar de uma mãe de família aparentemente feliz.  Leena (Noomi Rapace) lembra de si mesma quando pequena (a íncrivel Tehila Blad) e de tudo que passou quando seu pai sucumbiu ao alcoolismo. Isso acontece porque ela descobre que sua mãe está no hospital. A relação das duas coloca em cheque tudo que Leena sente por ela mesma, por suas filhas e pelo seu passado.  Tem outra coisa retratada nesse filme: a relação Finlândia e Suécia.

4. Recife Frio (Idem, 2009 – Kléber Mendonça Filho) – O curta já foi tema de um post inteiro aqui neste blog. Por isso, seria muito injusto se eu não o citasse como um dos melhores e mais criativos filmes que vi em 2010.