Relações (quase) Humanas – RH?

Sabe aquela sensação de que se está usando o sapato errado para a ocasião e/ou roupa? Então, é isso que sinto em entrevistas de emprego. Normalmente, porque vou para esses locais com uma roupa que não uso no meu dia-a-dia, falo de um jeito que não falo no meu cotidiano e ainda tenho que tentar impressionar o entrevistador em pouco tempo.

Ok, pega esses sapatos desconfortáveis e acrescenta um número complicado de sapateado. É assim que me sinto em entrevistas de emprego. Como uma pessoa que, simplesmente, não se encaixa. E isso, na real, não tem nada a ver com os perfis de vagas, ou com as pessoas que estão fazendo a entrevista comigo – a maioria delas é simpática – está mais para o meu desconforto com a situação maquinada. Com atos maquinados.

É uma verdade que você é obrigado a falar certas coisas, aquelas perguntas obrigam qualquer um a dizer uma resposta clichê. “Por que escolheu o jornalismo?” , se pudesse responder essa questão de maneira verdadeira seria mais ou menos essa: “Porque sim”. Sem mais nenhuma letra do que isso. Ou “O que você pode acrescentar na nossa empresa?” “Nada. Apenas uma pessoa a mais na folha de pagamento. Acho bem dificil uma pessoa tão nova quanto eu mudar uma empresa deste tamanho.”. Ou, até mesmo: “Me fale um pouco de você” “Eu sou de libra, odeio ervilhas, adoro o céu durante o crepúsculo, adoro o livro crepúsculo também, tenho medo de escuro e, realmente, não dou a mínima para política.”.

O pior é que esses atos precisam ser maquinados porque eu sei, e vocês também sabem, que existem os outros. A entidade “outros”. Os candidatos perfeitos, que leem todos os jornais certos, e falam todas as coisas certas, e usam os sapatos adequadissimos. Parece até que eles nasceram com essas merdas de sapatos grudados no pé. Queriam ser jornalistas desde pequenos, montaram um jornal na escola, entraram na faculdade, não se frustraram nem um pouquinho com a profissão. Príncipes em tudo na vida.

Não entendo o porque da necessidade de se prender em classificações das pessoas. Não consigo ser uma só, não consigo ter apenas um gosto, ou somente uma explicação para cada atitude minha, ou apenas um perfil. Infelizmente, essa é uma boa explicação para que eles digam que não tenho nenhum. Não consigo tolerar que minha criatividade esteja sendo tosada para que um tipo de criatividade-maquinada cresça. Um tipo de atitude que eles seriam capazes de rotular e colocar numa caixinha que diz “vantagens” e em outra que diz “desvantagens”.

Fico pensando o que responderiam os meus ídolos nessas entrevistas. Gosto de acreditar que a maioria deles não conseguiria passar da terceira fase dos processos seletivos:

“Quentin o que?Nome diferente esse o seu (risos) É do seu pai ou da sua mãe? Ahh. Certo. Como é sua relação com eles? Ah, tah. E esse seu roteiro aqui, Reservoir Dogs, da onde tirou esse nome? Surgiu da sua cabeça é? Como? Ah, você não saberia dizer (anotação: aparenta ter memória fraca, e ser levemente ansioso na hora das respostas, gesticula muito). Mas, me diz, quais foram as suas experiências anteriores com cinema? Ah, certo, você vendeu dois roteiros…Mas e antes? Você quer dirigir este filme que está me mostrando, né? Ah, tah. Você era atendente de locadora. Ahn..Entendo. Certamente via muitos filmes não (riso nervoso e anotações febris sobre falta de experiência anterior). Por que decidiu dirigir este? Desculpa, repete o que acabou de dizer (anotação: tende a falar muito palavrão, parece ser meio explosivo; parece não se encaixar em trabalhos em grupo). Eles foderam o seu filme, como? (anotação: não lida muito bem com críticas). Como você se descreve como líder? Ok. Muito obrigada sr. Quintin. Entraremos em contato com você se a resposta for positiva ou negativa (risos e cumprimentos; dois segundos depois, o roteiro está na lata de lixo, junto com o currículo do jovem diretor)”

“Senhor Michelangelo, certo? Aqui no seu currículo diz que é pintor, arquiteto, escultor e poeta, como lida com todas essas carreiras? Por que decidiu fazer tudo isso ao mesmo tempo? Porque o senhor  acha que pode, é? Tudo bem. (anotação: egocentrico e com gostos muito diversos, parece confuso). Por que você se acha qualificado para este trabalho na Capela Sistina, o que acha que pode adicionar a ela? Os seus desenhos? Ou os desenhos de Deus? Ah, certo, Deus te deu esse dom para que conseguisse pintar (grifa tres vezes a palavra egocentrico). Mas, pelo que vi do seu portifólio, pintura não é o seu forte, não é mesmo? Por que não é bem assim? Explique o que quer dizer “é tudo arte” (anotação: não apresenta objetivo claro; não tem vontade o bastante, desdenha de nossos ideais). Ah, certo, está tudo interligado. Uma pergunta bem importante agora, você pretende usar as regras de proporção e tamanho nas pinturas deste trabalho? Por que o riso, senhor? Ah, sim, eu percebi que você sempre usa essas regras, mas suas estátuas não são muito proporcionais. De propósito? Por quê? (anotação: não segue regras impostas, difícil de se trabalhar em grupo). Senhor Michelangelo, eu não falei em nenhum momento o nome do mestre Da Vinci aqui, não era necessário você amaldiçoá-lo, estamos em uma Igreja, pelo amor de Deus. Você já tem um projeto para o trabalho que propomos? Sim? Posso ver? Não trouxe com você por que? Ah, nada sai do seu ateliê sem você (anotação: demonstra pouca responsabilidade). Certo. Muito obrigado, senhor Michelangelo, entraremos em contato”

Na carta para senhor Michelangelo “Muito Obrigado por ter se inscrito no programa para a decoração da Capela Sistina. Infelizmente, o sr. não tem o perfil que procuramos. De qualquer forma, aceitamos ideias para a organização dos afrescos.”