Diário de uma Mostra – Parte V – A(s) Língua(s)

– Aqui, bom festival procê também.

Assim que  a atendente da lotérica, que fica aqui do lado do hotel,  se despediu de mim. Ela achou muito engraçado o fato de eu ter um livro na bolsa, achou isso um habito “de paulista”. Nem precisei falar da onde era para as pessoas da fila, quando o casal começou a falar comigo, a mulher logo falou com toda a sua lógica “vc é de são paulo, não?” num tipo de pergunta que mais tinha tom de constatação que outra coisa. Resignei-me ao fato de que meu sotaque me denuncia.

Nunca tinha pensado na maneira de falar paulista como algo tão marcado, mas, segundo outro mineiro com quem conversei (um diretor de curtas), paulista tem um ritmo meio cantado. Estranho, sempre achei isso dos mineiros. É, deve ser algo de meu ouvido! Ou não…

Aqui na Mostra o que é mais comum é se encontrar pessoas dos mais variados sotaques do país conversando juntas em alguma mesa dos restaurantezinhos. Na área de imprensa então, parece a torre de babel. Misturam-se cearenses, pernambucanos, bahianos, mineiros, paulistas, cariocas [e fluminenses], paranaenses, goianos e gaúchos. Além disso, temos ainda uns sotaques de franceses falando em ingles, ou em um francês tão rápido que, mesmo se soubesse a língua, não saberia decodificar. Um desses franceses me concedeu uma entrevista (Fabien Gaffez, faz parte de um dos olheiros da semana da crítica, do Festival de Cannes, a entrevista tá aqui), a chuva caía muito forte na parte de fora, foi um caos para entender o inglês dele com sotaque gravado no meu mp4.

Em uma das entrevistas coletivas, um desenhista de som – sim, existe essa profissão – foi para a frente falar sobre Terras, o documentário que tinha ajudado a produzir [junto de Maya Da Rin, outra pessoa com quem falei, veja aqui]. Ele começou a falar do universo sonoro do documentário, e de como tinha sido a pesquisa para tornar o filme o mais natural possível, e como ele mexeu com universos sonoros desconhecidos para desenhar os ritmos do filme. Pois bem, Tiradentes é assim para mim.

Podem falar como quiserem, e não entender algumas de minhas gírias. Eu mesma posso não entender muitas outras gírias, ou achar estranha a maneira como o ritmo mineiro desenha ondulações no ar. Mas, aqui,  por aqui, é como se todos falassem uma língua só, o cinema. E ela consegue conectar a todos.

Diário de uma Mostra – Parte IV – O Tempo

Fato consumado : qualquer paulistano que saia minimamente de São Paulo por mais de dois dias sente uma total diferença no relógio biológico. É como se o corpo estivesse tão acostumado com o ritmo insano da lista de tarefas, que quando não tem um tic tac controlando, começa a doer. Bem, não posso dizer que não tenho coisas para fazer durante a Mostra de Tiradentes, já fiz algumas entrevistas, pretendo fazer outras por esses dias, e escrevi uma boa quantidade de textos para o site da revista.Mas, acima de qualquer coisa, posso afirmar que o ritmo da cidade é completamente….destoante.

Nos restaurantes, espera-se muito mais para receber a comida, por exemplo. É como se eles quisessem que o almoço fosse uma refeição completa, não só com direito a comida, mas também, com um espaço para que as pessoas conversem à mesa. É estranho ver o quanto esse hábito tem sido esquecido por mim mesma, é como se a mesa só servisse para apoiar a minha bolsa, ou para apoiar meu prato enquanto como de maneira rápida e objetiva.

O que é ridículo, visto que o corpo não consegue se acostumar a esse ritmo insano. Até consegue, para falar a verdade, mas perde uma boa parte de sua sensibilidade. Aqui consigo sentir o gosto de cada coisa que como. Se a vagareza me irrita? Sim, bastante. Principalmente quando se tem uma boa quantidade de filmes para se ver, como é o caso de Tiradentes. Só que não há como lutar contra ela, sabe? Então, tento desfrutá-la.

É muito estranho que o ritmo da Mostra não consiga casar com o ritmo da cidade. Dá para perceber pelo jeito da cidade, que a quantidade de horários e eventos dessa mostra destoam do cotidiano das pessoas. Estamos falando de uma cidade em que o principal restaurante [Atrás da Matriz] não funciona no almoço durante a semana, poxa vida!

A quantidade de cineastas que andam por essas ruas é quase tão grande quanto a quantidade de cinéfilos presentes na cidade apenas para o evento. E isso muda o tempo, muda o ritmo e o padrão. O cinema é muito mais do que imagens em movimento, são pessoas em movimento!

PS: Lembrei da música homônima dos Móveis Coloniais de Acaju…

Diário de uma Mostra – Parte II – A Cidade – e as cores

No meio dessas ruazinhas que acontece a Mostra. Para falar a verdade, é no lugar de intersecção dessas ruas, nas praças. Algo muito mais raíz, o cinema aqui é exibido ao ar livre, com direito a muitas pessoas sentadas no chão, e ao barulho de chuva martelando no topo da tenda principal. Sim, para essa segunda parte do meu diário de bordo escolhi escrever sobre o movimento da cidade, algo que chama tanto minha atenção quanto os filmes da Mostra.

Quando se entra, percebe que é uma cidade pequena, calma, mas com alguns resquícios de turística. Percebe-se pelos barzinhos e restaurantes que aqui recebe um número considerável de pessoas pelo ano inteiro. Sigo a lógica de que, se não houvesse ninguém na cidade, não haveria nem metade das lojinhas de artesanato.Por ter nascido em uma cidade turistica, conheço muito bem as dinâmicas que um tipo de local assim oferece.

Mesmo assim, mesmo com a estrutura toda, é bom ter a ideia de que a cidade em que se está é mais calma que a cidade da qual você veio. As portinhas e janelinhas, com os parapeitos coloridos, dão um ar nostálgico. A rua de pedra acastanhada sob o sol da tarde faz com que eu fique com vontade de voltar ao tempo, jogar meus aparelhos eletrônicos fora e começar a viver de agricultura. Outro fator que me ajuda muito nessa vontade de voltar para o século XIX é o fato de meu celular não funcionar em Minas Gerais (problemas da Vivo com a TeleMig – ou melhor Oi!).

No meio da convulsão de pessoas, personalidades, anonimos e cineastas que transitam nos arredores do QG da Mostra – o Centro Cultural – consegui fugir ontem, e andar pela cidade, calmamente. Conversei com alguns donos de lojas e restaurantes, que diziam, quase como num discurso único, o quanto gostavam da mostra e da cidade lotada deste jeito. Sorria a cada resposta, assim como eles sorriam ao saber o quanto gostei daqui.

Enquanto tirava fotos e conhecia a cidade, escutei um barulhinho de bateria. Fui procurar, e descobri o Cortejo das Artes. Durante a Mostra acontece esse Cortejo para a comemoração do aniversário de Tiradentes. Ao som de marchinhas de carnaval, as pessoas da cidade, de fora da cidade, de fora do estado, de fora do país e do planeta, praticamente, pulam pelas ruazinhas em um carnaval antigo e fora de época.

O colorido dessa cidade é diferente,  ela me lembra o Terracota, acho que por causa das estradinhas de pedra… É interessante se observar isso, se sentir as cores que vem de todos os lados. Parece que São Paulo é tão cinza, na verdade, não culpo a cidade, a rotina acinzenta os locais.

Ontem Tiradentes foi uma explosão de cores, algumas crianças estavam fantasiadas. O eco da bateria e dos metais das marchinhas alaranjaram o ambiente; enquanto algumas pessoas o deixaram mais verde. Tudo isso embaixo de um céu azul incrível.

Aqui em Minas a calma e o movimento caminham lado a lado. Ainda bem.

Pra ver a banda passar....