No ônibus de volta para casa, num início de noite daqueles, deixei de olhar para a tela do meu iPhone. A bateria acabou e me forçou a fazer isso, é lógico. O transporte público não estava lotado, todos estavam sentados, ninguém em pé. De repente, algo me surpreendeu – e não foi nenhuma das freadas do maluco do motorista! . Em todas as duplas de poltronas, alguém segurava, vidrado, o seu smartphone. Alguns digitavam, outros – como eu – jogavam. Outros, com smartphones menores, apenas escutavam música. Todas as pessoas, num transporte público, só que privado.
Foi aí, exatamente aí, neste ponto, que comecei a pensar sobre como as nossas vidas estão onlines. Tenho uma teoria de que não somos mais usuários da internet, mas habitantes dela. Não sou dessas saudosistas, não tenho saudades da vida offline e nem acho que a vida sem internet seja melhor ou pior do que aquela acompanhada da web. Como bem disse Woody Allen, em Meia noite em Paris, as pessoas que dizem aos sete ventos que amariiiam viver no começo do século XX se esquecem que, naquela época, só havia penicilina como antibiótico – sou alérgica a penicilina, o que torna essa sentença ainda mais significante. A minha surpresa foi ver, no meio do ônibus, o quanto as pessoas estão dividindo uma mesma onda comigo. Um estranho momento em que me senti parte de um todo por causa de uma particularidade e gosto meu.
Mas, o que isso tem a ver com o post? Bem, muito.
Um amigo meu, senhor Marcelo Orcioli, é um daqueles tecnófilos. Nunca vi pessoa mais conectada ao seu smartphone [e à internet] que ele. E, realmente, falo isso como um puta elogio. Ele sempre sabe das notícias do momento, sabe sobre o que as pessoas estão falando bem, sabe se posicionar ante essas informações (vejam bem, ele não é jornalista!) . Está sempre atento a sua volta e tira ótimas fotos no Instagram. E, lógico, testa e me indica os melhores aplicativos possíveis. Qual foi a minha surpresa quando vi que seu smartphone quebrou??
Para dar uma aliviada em sua frustração, pedi para que ele me escrevesse um pequeno diário de bordo sobre os dias que ficaria sem o seu amado Samsung Galaxy SIII. O resultado foi o texto abaixo:
[Atenção: se você for uma daquelas pessoas que faz distinção entre ‘vida real’ e ‘vida online’, favor, entre em outro site. ou vá ler outro texto desse blog]
O dia do infortúnio
Meu celular não liga, descobri que, por uma falha da Samsung, meu SIII simplesmente queimou sozinho e estou aqui em Ouro Preto-MG, prestes de ir à última festa do Carnaval sem saber o que fazer. Guardei o celular na gaveta e vou levá-lo na assistência técnica em São Paulo amanhã. Meu mundo caiu. [a
#truestory
1º dia sem o celular, o inusitado
Viajei de Minas Gerais para São Paulo sem poder fazer mais nada além de ouvir música, paradas infinitas no Graal da Fernão Dias e eu sem poder fazer check-in, sem poder pegar um sinal de wi-fi, pelo celular. Viajei nos pensamentos, inventando histórias na minha cabeça e, no lugar de de receber informações criei as mais mirabolantes durante todo o caminho da viagem. Cheguei em São Paulo. Fiz um exercício de reflexão legal, mas ainda me falta paciência. Levei o celular na assistência técnica e descobri que ficarei nessa abstinência até o fim do mês. Na volta do trabalho, presenciei um caos na estação de trem que costumo passar (estação Pinheiros) devido às chuvas. Todos estavam com seus celulares tirando fotos, filmando e xingando muito no twitter e eu nem pude fazer 1% disso, me encostei no chão e dormi, enquanto os pseudo jornalistas enchiam as redes sociais de avisos e revoltas. Depois que acordei e peguei o trem, por pura abstinência, fiz algo que nunca tinha feito na vida: puxei assunto com uma desconhecida no vagão, por motivos de: precisava falar! Precisava comentar o assunto, dividir minha experiência, COMPARTILHAR minha opinião e ver se CURTIA a dos outros. Parando pra pensar no que fiz, realmente foi um ato de desespero inconsciente. Cheguei em casa à noite e, por conta da chuva, estava sem internet e televisão à cabo. Comi e dormi cedo como não fazia há muito tempo.
é, não precisam admitir, a nossa vida está mesmo online
2º dia sem o celular, a raiva
Acordei com um barulho horrível do despertador do meu celular antigo, fui para o banho e não pude checar meu aplicativo integrado com os ônibus de São Paulo para ver se estava atrasado para descer ou não, fiquei nervoso, mas me acalmeilogo em seguida quando consegui carona. Vim conversando no carro e esqueci um pouco dos meus problemas. Chegando no serviço, fui tomar café e enquanto tomava meu suco de abacaxi CADÊ O TWITTER?????? E O INSTAGRAM pra compartilhar minha saúde matinal??????????? Me vi num beco. Comi logo para subir para o escritório e acessar a internet pelo computador. Na hora do almoço fui assistir uma mobilização na Paulista e cadê o celular pra tirar uma foto e postar no Instagram? Fiquei irritado, dei risada e tirei umas fotos com o celular velho, porém sem o tesão do “ao vivo”, “na hora”. Fui almoçar e comi rápido novamente para voltar ao escritório. Quatro da tarde. Uma chuva torrencial, com cara de chuva de televisão, cinematográfica, “preciso tirar uma foto!” gritei. Porém logo lembrei da falta do meu smartphone e me contive em observar o espetáculo da natureza pela janela. Fui para o interior de SP, novamente sem internet e sem muita paciência com o mundo aí fora. Combinei de sair com uma amiga grávida, passei meu número novo e chegando no prédio dela para dar carona, cadê Whatsapp para pedir pra descer? Meu Deus! Tive que ligar à cobrar porque não sei usar créditos de celular pré-pago! Ok, nos encontramos e no Fran’s Café encontramos alguns amigos. Todos com seus smartphones tirando foto e eu lá.. tomando açaí, com cara de poucos amigos. Que noite legal.
3º dia sem o celular, a conformidade
Sábado. São José dos Campos. Nada pra fazer. Almocei conformado que não teria nada pra fazer o dia inteiro, muito menos Whatsapp com as pessoas para comentar o tédio ou marcar algo na roça. Confisquei o notebook da minha mãe e fiquei horas navegando, olhando o que estava acontecendo no mundo e tentando contatar algumas pessoas. Combinei de sair com alguns amigos e fui de carona com a minha amiga buscar outra amiga no shopping. Só que minha agenda de contatos estava desatualizada por se tratar do meu antigo aparelho, aí ferrou geral, ninguém conseguiu falar com ninguém e rolou um desencontro daqueles. Me conformei e depois de meia dúzia de palavras voltei pra casa cedo, por causa do fim do horário de verão e assisti séries e gravações na NET. Chato. Tedioso. Mas era o que tinha pra hoje.
bonito. mas como compartilha essa foto?
4º dia sem o celular, aquela depressão
Domingo, depressão materializada, faculdade na iminência de começar, saldo péssimo no banco e.. bem, o resto vocês já sabem. Meu dia foi intensamente estranho. Não consegui fazer nada quase até que descobri o 3G pré-pago, olhei pro meu celular antigo, ele olhou pra mim e testamos. Funcionou, numa velocidade péssima, mas ao menos não estaria tão sozinho nos momentos de desespero. Não existe vontade, nem tesão em navegar. Meu aparelho já está obsoleto há um tempo. Voltei pra São Paulo e apenas sobrevivo do meu iPod. Bora esperar a segunda-feira. Que tristeza.
5º dia sem o celular, chatiado
Plena segunda-feira, já tudo ferrado pra acordar sem o horário de verão, cheguei no serviço, passei o dia na correria e nem tive tempo para pensar na falta do celular. À noite fui para o primeiro dia de faculdade, primeiramente passei na sala de aula para ver o que estava acontecendo e meus amigos foram para o bar confraternizar com os bixos. Na saída da sala não tinha celular para telefonar, muito menos para mandar Whatsapp, não tinha. Tive que ir no meio da multidão procurando. Depois tiramos fotos legais e meu celular não estava lá para compartilhar. Me senti na idade da pedra, onde tirávamos fotos nos lugares e só quando chegávamos em casa postávamos tudo de uma vez. Voltei pra casa, fiz isso e dormi.
smartphones no bus. cenas do cotidiano.
6º dia sem o celular, esqueci
Vivi minha terça-feira normalmente e, pasmem, esqueci do problema do celular. Só me ferrei, achei péssimo os trajetos (para a faculdade e de volta para casa) onde vi uns cinco celulares por m² iguais ao meu e fiquei me remoendo.
13º dia sem o celular, a gota d’água
Não dá mais. Não consigo mais viver. Me sinto mudo, puta merda, as pessoas me irritam, todos me irritam, quero me enfiar no celular e ficar com ele. Tô desistindo desse diário porque nem paciência pra escrever aqui mais eu tenho.
15º dia sem o celular, contato com a Samsung
Novo prazo para a entrega do celular, sexta-feira. Comecei a contar os segundos já. Não aguento mais esperar. Já não consigo acordar direito sem meu aplicativo do sono, não consigo pegar o ônibus no horário sem meu aplicativo do ônibus, não consigo me comunicar com os meus amigos sem Whatsapp, não consigo passar o tempo de trajeto para o trabalho e faculdade… Está difícil demais.
quando tinha a sua idade….
20º dia sem o celular, a novidade
A reabilitação do meu smartphone está a exatas 24 horas de chegar ao fim, a minha eu já não sei. Depois de exatos 20 dias, finalmente recebi a notícia de que o aparelho está pronto para retirada na assistência técnica da Samsung. O problema é que não posso buscar por motivos de: falta da ordem de serviço, que eu (inocentemente) deixei em casa. O reencontro ficou para amanhã. Tá difícil me concentrar ou focar em qualquer tarefa depois dessa notícia, estou me isolando e irritado com as pessoas, minha ansiedade está se tornando um monstro dentro de mim.
O REENCONTRO
Cara, melhor sensação impossível. Saí para trabalhar (bem leve e sem sono – porque será né – rs), mas antes passei na assistência técnica e peguei meu aparelho funcionando corretamente. Já instalei meio mundo de aplicativos e estou recuperando o tempo perdido nos contatos e configurações. Estou completo agora, posso respirar em paz. Meu mundo voltou a girar e minha necessidade de comunicação será suprida. Não sei vocês, mas esses últimos vinte dias foram os mais estranhos dos últimos tempos, me senti num hiato, pausado, nada funcionava até o celular voltar. Agora vejo soluções para tudo.. Adeus chip provisório e celular antigo/precário. Tudo está no seu devido lugar. Ufa.